terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Chapéu e a Cabeça

texto de José de Souza Martins


Em antigas fotografias de rua de São Paulo, são raros os homens sem chapéu. Com o primeiro chapéu, o adolescente se tornava adulto. Eram os tempos da garoa e da cerração. Em dia de sol forte, quem chegasse em casa queixando-se de dor de cabeça, logo ouvia: “Pudera! Você saiu sem chapéu!” Ou, se chegasse tossindo: “Tá vendo o que dá deixar o chapéu em casa?” O chapéu era medicinal e não se vendia em farmácia!

Num túmulo do Cemitério do Araçá, uma bengala e um chapéu pousado sobre um banco de jardim expressam a piedade filial por alguém que se foi, mas também a comovente certeza do reencontro na simbolização da ausência temporária. O chapéu era um componente ritual do traje, instrumento de uma linguagem. Servia para ser tirado quando passava um enterro ou uma procissão. Ou para ser tirado ligeiramente no encontro com pessoa a quem se devesse essa deferência. A falta do gesto insultava, mas degradava o desrespeitoso, não o desrespeitado. Disso conscientes, os humildes não só tocavam ligeiramente a aba do chapéu diante de terceiros: tiravam-no, se o encontro envolvesse conversação. O chapéu falava a linguagem das classes sociais, dos que mandavam e dos que obedeciam, dos que tinham e dos que careciam. Até o mendigo precisava de chapéu. O chapéu na mão, de copa para baixo, na porta da igreja ou na saída da estação, poupava ao pobre a humilhação de pedir de viva-voz o pão nosso de cada dia.

O chapéu se foi, mas ainda permanece simbolicamente na cabeça de quem já não o usa. Até hoje, arrecadação de fundos para qualquer causa se faz passando o chapéu, como se diz. Ainda se ouve: “É de se tirar o chapéu!”, diante de fato admirável ou de pessoa extraordinária. Dos sem caráter, que aproveitam de mérito de outro em benefício próprio, o chapéu diz tudo: “Aquele ali faz cumprimento com chapéu alheio.” Criou palavras, difundiu significados em nossa língua. Sob chuva, a aba virava para baixo, desabava. Pessoas e prédios continuam desabando sem terem aba nem chapéu.

Famosos foram entre nós os chapéus da fábrica Ramenzoni, no Cambuci, de 1894, e os da fábrica Prada, de Limeira, de 1904. Mas o pai do chapéu moderno entre os paulistanos foi João Adolfo Schritzmeyer (1828-1902), alemão de Hamburgo,  aqui chegado em 1848, que abriu sua fábrica no Anhangabaú em 1851, visitada por D. Pedro II, em 1878. Ficava na área da hoje estação do metrô. Está retratada em antigo medalhão de bronze no mausoléu da Sociedade Beneficente dos Chapeleiros, no Cemitério da Consolação, onde ainda são sepultados os descendentes dos operários da fábrica de Schritzmeyer. A loja era na esquina da Rua Direita com a Rua de São Bento, no quarteirão que foi demolido para abertura da Praça do Patriarca. Durante muito tempo, os chapéus de João Adolfo fizeram a cabeça dos paulistanos.





Com os seus chapéus, os elegantes indaiatubanos Athos Mazzoni e Nestor Estevam de Araújo,
 no início da década de 1940
Imagem cedida por Athos Mazzoni Sobrinho



O elegante João Pecht e seu chapéu, com a esposa Benedita Estevam de Araújo Pecht, na ocasião em que o casal foi visitar Pirapora, na década de 1940.
Imagem cedida por Victor Pecht



Benedito Estevam de Araújo e seu chapéu provavelmente na década de 1910 (?)
em imagem cedida por Luiz Stocco
(meu bisavô Dito é também avô, bisavô e tataravô de sabe-se lá quantos indaiatubanos... somos em muitos).





.....oooooOooooo.....

Colaboraram também Renato Gigliotti e Carlos R. Almeida


Você também tem foto de seu avô ou bisavô de chapéu?
Envie para esse blog elianabelo@terra.com.br
Compartilhe as memórias de sua família, a História de Indaiatuba foi e é contruída por todos nós!

4 comentários:

  1. "Se queres escrever para o mundo, então canta a tua aldeia." Era ssim que Toltoi dizia e eu assino embaixo. Se cada um fizesse isso com a sua terra, o povo brasileiro talvez se orgulhasse mais de sua própria história e se transformaria em um agente , não mero espectador passivo. Parabéns pelo belíssimo blog. Um abraço. paz e bem.
    P.S: Vim aqui pela indicação de uma pessoa da terra, Yara Picardo.

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  2. Belíssima inciativa de mostrar nossa história, pois com o atual crescimento da cidade muitas pessoas ão conhecem a cultura e a beleza da nossa história!

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  3. Os chapéus são necessários nos tempos hodiernos de nosso "santo ninho de amor caro e gentil". Ameniza muito na temperatura elevada por nossas ruas e nos dá a oportunidade de demonstrar gentilezas com os cumprimentos. Veja o excelente blog sobre etiquetas de utilização de chapéus em nossa época:
    http://homensmodernos.wordpress.com/2008/09/18/a-etiqueta-do-chapeu/

    obrigado

    Gentil

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  4. SÃO PAULO ERA SINONIMO DE EDUCAÇÃO, ORDEM, TRABALHO, FAMÍLIA, HOJE, INFELIZMENTE ESTAMOS VIVENDO A "LEI DO SERTÃO", ABRIU-SE AS PORTEIRAS E FAMÍLIAS TOTALMENTE DESPREPARADAS "FAVELIZARAM" A NOSSA SÃO PAULO... DURMA-SE COM UM BARULHO DESSES...

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