texto de Anistarda Clemente Caldeira
originalmente publicado no livro "Um Olhar sobre Indaiatuba II" (2008)
Para a surpresa de muitos, meu nome é Anistarda Clemente Caldeira.
Somente aos vinte e cinco anos, quando fui votar pela primeira vez, fiquei sabendo que meu nome é Anistarda (estranho!). Nem eu sabia que eu tinha o nome de uma das minhas avós.
Nome que, aliás, não tenho nem idéia do que significa.
Candelarinha eu gosto mais, devido à madrinha que me batizou que tinha esse nome.
Nasci em Indaiatuba (1) , cidade que amo, venero e luto para defendê-la.
Nasci na fazenda Sertão de propriedade da família Amaral.
Minha vida de trabalho começou cedo. Aos quatro anos de idade perdi minha “mãe” Durvalina Barbosa. Sem colo de mãe a vida é bem difícil.
Freqüentei o Grupo Escolar Randolfo Moreira Fernandes, onde concluí o curso primário.
Meu bom pai - João Clemente - precisava do meu trabalho para ajudar nas despesas da casa. Fomos colher café e algodão na fazenda Rio das Pedras. Eu só tinha nove anos quando meu pai casou-se pela segunda vez.
Na roça, ainda criança, me levantava de madrugada, e só voltava para casa à tarde, como várias crianças e adolescentes. O café e o almoço eram esquentados no bule e na marmita sobre uma pedra aquecida pelo sol.
Naquele tempo era normal que as crianças trabalhassem. Nossa diversão era ver o trem passar na estação de Quilombo, batizar bonecas e preparar nossa própria comidinha.
Um grande sonho chegou... Voltei morar com minhas tias Jesuína, Candelária e Izabel no Hotel Bela Vista, um antigo casarão que existia na esquina da 9 de Julho com Bernardino de Campos em Indaiatuba. Era eu que levava as marmitas para os fregueses nas próprias casas.
Trabalhei vários anos como empregada doméstica, engomava enxovais de noivas filhas de famílias tradicionais de Indaiatuba, trabalho verdadeiramente “difícil”. Para engomar colchas da Ilha da Madeira era preciso muita paciência, atenção e força de vontade.
Também trabalhei estrangulando frangos para a Quitanda do Mário Tomatake; era preciso força bruta e dobrada, “estômago”. Mas eu precisava trabalhar, e o fazia com orgulho e com a valiosa ajuda da Tuta. Estrangulávamos até 200 frangos por sábado. No final do dia ficávamos com cheiro das aves. Mas, tudo se enfrentava com sorriso nos lábios e alegria no coração porque sempre era uma renda a mais. E minhas tias precisavam de alimentos, de remédios e atendimento médico. Sempre contei com a valiosa ajuda de Dr. Pedro Maschietto e de seu filho, meu querido amigo Dr. Pedrinho. Nunca me deixaram órfã. Sou grata a eles que me socorreram e nada cobraram. Isso não tem preço.
Dona Marina é minha segunda mãe.
Casei-me em 1951 com Geraldo Caldeira o “Pixe” com quem vivi feliz por vinte e nove anos. Fizemos Bodas de Prata, celebrada pelo Padre Francisco em nossa casa, rodeados de amigos queridos por mim e pelo Geraldo. Dona Marina Maschietto Magnusson, José e Irani, José Paulo e Maria Alice, José e Cecília de Campos, Regina e nosso Penna (fotógrafo da família), Aurora Scodro Groff., Carlos e Araci, Tulo e Onesi e outros amigos. Mas que turma! E toda a minha família.
Quando eu casei, trabalhava no Cotonifício Indaiatuba (nada de moleza, a negona aqui era sacudida, chuva ou sol... eu tava lá).
Nessa época, minha companheira de trabalho era Conceição Aparecida Brossi. Ela namorava o Zé Brossi e eu, o Geraldo. Quando o edital do casamento foi publicado com o nome de Anistarda, as colegas de trabalho ficaram assustadas, pensando que o “Pixe” ia se casar com outra! Anistarda era eu mesmo, essa valente indaiatubana que recebeu o apelido de Candelarinha, mas valeu.
Infelizmente, no casamento perdi o único bebê que tinha concebido. Em compensação adotei duas meninas que hoje eu considero como filhas e elas, eu como mãe. Mãe do coração pois o amor está na alma, onde há lugar para quem precisa de amor.
Gildete e Maria Benedita - a Tuta - são os meus tesouros. Seus filhos, meus netos (da primeira) são: Willian, Iria, Ueslei e os gêmeos Ueuton e Yara. Da Tuta, Wagner e Emerson. “Formou-se uma família”.
Trabalhar para mim continua ser mais que uma necessidade, um prazer. Minha casa está sempre repleta de bons amigos.
Quem não compra bolo, compra salgadinhos!
Com a ajuda da amiga Odete Rodrigues, eu faço bolos e salgados para eventos “importantes”.
Candelarinha, D. Odete e Zefa
Imagem original cedida por Emil Geiss
Originalmente publicada no álbum virtual do grupo "Dinossauros de Indaiá" ,
do mantenedor Patrick Ribeiro no Facebook.
Também trabalhei na função de merendeira nomeada, então, pelo Prefeito Mário Candello meu protetor e amigo de jornada.
Ingressei na Prefeitura da nossa querida e abençoada Indaiatuba, no Grupo “Randolfo Moreira Fernandes”. Um paraíso para mim onde já trabalhavam a Sinira Matias, filha do famoso Eduardo “curador” e a minha sócia protetora como servente Odete Pedroso. O Prof. Milton Leme do Prado era o diretor.
Para melhorar a merenda da conhecida escola a gente não media esforços, pedia reforço nas quitandas, armazéns e açougues e todos colaboravam. Os filhos da nossa gente indaiatubana é que se deliciavam! Era trabalhoso, mas a polenta com carne moída, deixava a criançada doida! Até hoje quando encontro a “criançada” de ontem, muitos se lembram da minha polenta. Em 1ª. lugar estavam os alunos!
A Escola Randolfo Moreira Fernandes era uma “família”. Que pessoal legal! O professor Prado era um colega de verdade.
Quando eu chegava cedo, já lhe fazia um cafezinho. Ele vinha tomar na cozinha. Fazia sopa de pés de frangos, ele saboreava lambendo os “beiços”. Todos vinham na cozinha para saborear ou só para sentir o bom cheiro da merenda.
Gente fina, educados e amantes da profissão, professores que exerceram o trabalho com êxito. A Onesi, eu amo e respeito!
“Triste madrugada foi aquela...”. O novo prefeito me transferiu para outra escola: do Randolfo para a Escola Estadual Benedita Wagner no Bairro Santa Cruz e futuramente para Escola no jardim Morada do Sol. Isso foi o pior castigo que tocou minha pele “negra”. Até hoje eu procuro entender o fato, mas, ninguém sabe me explicar.
Eu como precisava trabalhar e não havia outro jeito, obedeci.
A transferência mudou a minha organizada vida, me obrigava sair de casa de manhã e só voltar no fim do dia. Assim os cuidados que eu dispensava a tia Izabel, a querida Zabé, (já esclerosada) ficaram prejudicados.
Zabé
Eu pretendia me aposentar por tempo de serviço, mas tive então de deixar o emprego para cuidar da minha tia, já velhinha.
Aposentei-me por idade, perdendo assim a chance de receber a aposentadoria integral. O salário diminuiu, mas os amigos não. Voltei para o calor do fogão, quando nos falta o calor humano, Deus dobra as nossas forças para continuar. Obrigada Senhor!
Comecei preparar feijoadas com minha sócia Odete. Como meu salário era insuficiente, passamos a fazer doces e bolos novamente.
Odete é uma cozinheira de mão cheia e acolheu logo a minha necessidade.
Como não gostamos de comida congelada, passávamos noites e madrugadas preparando os pedidos.
A Unidos de Indaiá é minha escola de samba do coração, menina dos meus olhos, alegria da minha vida. Para falar do carnaval em Indaiatuba, eu sou suspeita, coloco todas as minhas forças e economias para participar. Aliás, aprecio o carnaval brasileiro, as belíssimas fantasias. Já fui até assistir no Rio de Janeiro.
A igreja é o lugar que mais amo e venero, casa de oração e de Nossa Mãe, ali eu me sinto no céu.
Deus para mim é tudo. Pai e mãe. Viver com Deus é viver na luz. Sem fé, é trevas.
O Manoel de Miranda... fora de série, esse são-paulino.
Recebi homenagem na Prefeitura de Indaiatuba, no governo do Prefeito Reinaldo Nogueira, hoje Deputado Federal. Recebi o convite dele e participei.
Outra vez foi na Câmara Municipal também no governo dele. Quando eu saia, ele me falou: “E a polenta com carne moída quando sai?” Recentemente também fui lembrada pelo vereador Adalto Messias de Oliveira.
E, como Tia Izabel, também fui fotografada ao lado de amigos e queridos.
Mas... Eu quero ser a Candelarinha de Indaiatuba: merendeira, cozinheira, boleira, doceira, rezadeira, baiana de escola de samba. Candelarinha de caldeirada, feijoada e da polenta com carne moída.
Mas, meu nome verdadeiro é mesmo Anistarda, eu respeito porque é o nome também de uma das minhas avós.
Não sei o significado do nome, mas pode sugerir muita coisa: mulher de tenente francês, pseudônimo de modelo fotográfico, muambeira fichada na delegacia de polícia, marca de remédio, frentista de posto de gasolina. Depende da imaginação de cada um...
Realmente, pouca gente sabe o meu nome. Todos me chamam de Candelarinha. Candelária - nome da nossa padroeira, isso é importante.
O que importa mesmo é que eu sou feliz, na minha cidade de Indaiatuba.
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(1) Candelarinha nasceu em Indaiatuba na década de 1920 e escreveu esse texto com a colaboração de Cecília Berdu de Campos.
Eu conheço a Candelarinha desde que nasci, pois morava em frente da casa dela. Brinquei muito no seu quintal e me lembro da casa, das tias," da Isabé" que era uma coisa mais linda, enfim fiquei emocionada ao ler a sua história. A minha memória encontrou lugares, cheiros, pessoas e histórias lindas e significativas na minha vida. Parabéns mais uma vez Eliana por dar essa oportunidade no seu blog.
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