segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A fábrica de chocolates Stalden

texto de Ana Carolina Lahr, originalmente publicado na Revista Exemplo no. 40  - 03/2010
colaborou: Mariana Corrér



Quem passa de fora logo se encanta com a graciosa arquitetura da fachada que chega a lembrar a casa de chocolate de Joãozinho e Maria. Para adentrar, no entanto, não é preciso esforço. No interior da casa que harmonicamente destoa do ambiente, ao invés de uma bruxa, a meia-luz aconchegante, o aroma de cacau adocicado e o clima quase europeu bastam para fazer do caminho desconhecido a rotina de cada dia. Sem luminoso ou qualquer tecnologia que espante a sensação de tradição que transparece em cada canto, eis ali, na verdade, a “Fantástica Fábrica de Chocolate” Stalden.


Apesar do nome, ao contrário do que muitos possam pensar, uma das primeiras fábricas de chocolate de Indaiatuba não tem origem na Suíça, embora não negue que foi no país de descendência de seus idealizadores que encontrou o segredo do sucesso.

Chamada no passado de Aragaita e pertencente à tradicional família indaiatubana de Sílvio Tali, foi em 1978 que o enfoque suíço mudou o antigo nome com logotipo indígena para Stalden. “Me lembro bem. Era um domingo à tarde e ainda nem tínhamos aberto as portas, quando chegou um parente e falou que o nome Aragaita não era muito adequado para chocolate. Como queríamos o apelo suíço, ele sugeriu Stalden, que é uma cidade da Suíça de onde vieram os antepassados da nossa família, Amstalden”, recorda Sávio Amstalden, que junto aos oito irmãos e os pais, Silvano Amstalden e Martha Ambiel, administram a produção. “Como o negócio exige um conhecimento específico, apenas três de nós atuamos diretamente na fábrica. Meu irmão mais novo, Pedro Rinaldi Amstalden, José Gonzaga e eu, desde 1995 nos dedicamos somente à empresa”.



Tudo começou em 1977, com o falecimento do patriarcal Tali e a decisão de seus filhos de vender a fábrica de caráter artesanal. “Eu e meus irmãos soubemos disso em janeiro de 1978. Pensamos: 'por que não?' Apesar de cada um atuar em uma área,estávamos em busca de um negócio. Procuramos a família e em questão de semanas batemos o martelo”, conta o irmão.

Tomada a decisão de se aventurar no mundo desconhecido do cacau, a família começou a trabalhar. “Foi uma loucura, o começo. Me lembro que era Carnaval e toda a família - meus irmãos, meu pai e minha mãe - além dos funcionários, trabalhávamos para fazer nossa primeira safra' de ovos”, conta.

O resultado foi surpreendente e a primeira Páscoa arrecadou o suficiente para quitar a compra, estimulando ainda mais os jovens empresários que continuavam a dividir seu tempo entre a profissão e o investimento.

Nessa época, a loja ainda estava instalada em um prédio na rua 13 de Maio, quase na esquina com a 11 de Junho. “O mais importante para a gente naquele momento não era tanto o espaço físico, que inclusive era alugado. Na época, a dona Emília, que trabalhava com eles há muito tempo, se ofereceu para trabalhar conosco e continuou fazendo as receitas desenvolvidas pelo sr. Tali”, revela Sávio.

Cinco anos mais tarde, a família decidiu fazer um novo investimento. “Nesse terreno onde hoje é a loja, moravam os meus pais. É também onde passamos a infância e adolescência. Mais uma vez, pensamos 'por que não fazer embaixo a loja e acima a residência?'. No início de 1982 derrubamos a casa e começamos um novo prédio, com as características europeias atuais. Em 1983 ele estava pronto”, revela Sávio.

A mudança de endereço e o grande investimento sugeriram quase inconscientemente que o próximo passo seria superar a sazonalidade do produto que encontra forte apelo na Páscoa e no inverno, apenas. Foi quando deu-se início ao serviço de café. “Essa foi a nossa primeira versão de loja aberta e logo se criou o hábito, conquistando clientes que desde então frequentam a loja e estão conosco”.

A aceitação continuou grande e com o tempo, como recorda o empresário, os próprios clientes passaram a cobrar um espaço maior e a sugerir um chá colonial. “Assim, abrimos uma porta e fizemos um salão de chá. Começamos também a criar uma linha de padaria”. Em 1994, o espaço também já não funcionava e mais uma reforma foi realizada. “Decidimos fazer um espaço integrado. Tiramos a porta que levava até a sala de chá e derrubamos as paredes”, lembra Sávio. Assim, chegou-se ao formato da loja até hoje.


(foto do arquivo de Antonio da Cunha Penna)


A INESQUECÍVEL CRISE DO CACAU


Em 1986, no plano Cruzado, o mercado de chocolate nacional passou por uma crise e faltou matéria-prima para a fabricação de ovos. Preocupadas com as vendas, as grandes empresas produziram menos e a consequência não foi uma surpresa: faltou ovo no mercado.

Para a Stalden não foi diferente. “Eu diria que esse foi um ano complicado também para nós, que vendíamos no balcão e também nas empresas, para os funcionários. O controle era feito à mão, mas eu trabalhava paralelamente com informática e por isso resolvi usar o computador da empresa para fazer uma planilha dos pedidos. Quando percebi, já não tinha matéria-prima para atender toda a demanda”, lembra Sávio.

Foi quando, quase dez anos após assumirem o negócio, a Stalden passou por sua primeira crise. “Para poder atender precariamente – pois muitas empresas não foram atendidas e tivemos que ouvir por isso – oito dias antes da Páscoa, fechamos a loja. Fomos abrir no sábado antes da data, para fazer entregas e vender um pouco que tínhamos deixado reservado para a loja. Eu não diria nem mesmo, porque era Stalden, especificamente, mas faltou ovo no mercado”, analisa o proprietário.

No dia de Páscoa, as pessoas faziam fila na parte de fora da loja. “Ninguém entendia o porquê de não ter ovo de Páscoa. Até pedra na porta jogaram”, lembra. “Foi muito desgastante porque víamos os clientes tradicionais chegando e tínhamos que falar que não tinha. Obviamente aqueles eram outros tempos e a crise econômica contribuíra”.

Depois do grande susto, com a entrada do então Presidente Fernando Collor e abertura para o mercado internacional, abriram-se as portas para o chocolate importado e também para a matéria-prima, que passou a ser importada. Outro motivo para essa preferência foi a vassoura de bruxa, peste que alastrou ao plantio cacaueiro no Sul do Brasil.

A partir da década de 1990, a crise agrícola passou e o mercado se dividiu entre o produto nacional e importado, promovendo de lá para cá uma mudança muito grande nesse perfil. “O que você tinha como exclusividade, deixou de ser. Teoricamente, até então, com as vendas da Páscoa, o empresário do segmento sobrevivia o ano todo. Mas na década de 1990 passou a existir muita oferta e também a proliferação de barras de cobertura no mercado, para produções artesanais”, recorda Sávio. As empresas de chocolate tiveram duas opções: fechar ou mudar o perfil. “Coincidentemente foi o momento em que decidimos abrir o leque e oferecer um mix de produtos para atender ao cliente durante todo o ano”, celebra.

“Em termos de chocolate, eu diria que do final de 1970 a 1990, nossa produção era somente bombons e quando chegava a época da páscoa, em janeiro, mais ou menos, parávamos de produzir bombom para produzir ovos”, analisa o empresário.



Depois de uma breve aventura pelo sorvete, a Stalden decidiu buscar na origem europeia novidades e começou a importar essências de chocolate da Alemanha. “Como tinha morado lá um tempo e sabia a língua, deu certo a negociação. Em uma visita do diretor de exportação da empresa, ele viu nossas instalações e sugeriu um novo negócio: a decoração de chocolate”.

Em 1998 desenvolveu-se uma linha voltada não ao consumidor final, como estava acostumada a fazer, mas focada na confeitaria. “Nessa parceria eles nos forneciam o know how e nós importávamos a tinta comestível a ser impressa no chocolate”.

No início, a estampa era desenvolvida na cidade e enviada para a Alemanha, onde era impressa. “A empresa queria aguardar um período até nos dar uma certificação de que poderíamos fazer todo o processo aqui. Hoje, todo o trabalho de personalização é realizado por nós”.

Foi assim que a Stalden se inseriu no mercado nacional atuando em um ramo exclusivo até hoje e é onde tem investido na última década, proporcionando uma expansão do negócio. “Meu irmão abriu um braço da empresa, voltado para a fabricação de formas decorativas, a Stalden Decor, enquanto a Stalden desenvolveu a linha Chocodecor, de chocolates personalizados. “Basicamente, nos desenvolvemos junto ao mercado, buscando alternativas”.

Os produtos são fornecidos aos supermercados, confeitarias e padarias de todo o Brasil, além de confeiteiras autônomas que buscam uma diferenciação. “Como precisávamos focar, e também por uma questão de espaço físico, que hoje já é pequeno aqui, ficamos um tempo distantes dos bombons, mas o nosso objetivo a partir de agora é dar mais ênfase à linha de bombons e consumidor final”, revela o empresário.

Os outros irmãos, também levaram consigo a marca em outro nicho de mercado, como é o caso das irmãs Silvana e Laura, que há cinco anos passaram a atuar no ramo alimentício no infantil Kinder Fest. “Nossa vocação hoje é para a área alimentícia” afirma o irmão.


A RECEITA, O SEGREDO

Quem frequenta a casa há anos sabe que alguns dos produtos comercializados mantêm a mesma receita desde que era chamada de Aragaita. O chantilly - massa de chocolate com rum – e os bombons de licor são os exemplos. “É claro que algumas mudanças vão sendo feitas, como novas receitas, ou exigências da fiscalização e mercado”, justifica Sávio.



Sendo assim, existe hoje uma mistura de receitas e sabores ao longo do balcão. “A receita suíça é meio complicada de ser aplicada, porque o padrão foge um pouco das características do Brasil.O teor de manteiga de cacau é maior do que o nosso por um motivo simples: lá é muito mais frio que aqui e quanto mais manteiga de cacau você coloca, mais cremoso e suave ele fica. Em contrapartida, ele derrete mais facilmente. O problema é que se você vende para terceiros, o chocolate exige algumas condições para manter as características.

Se bem trabalhado fica delicioso, senão perde as características”, explica o conhecedor. O segredo, no entanto, é que durante as estações de baixa temperatura, a empresa libera um pouco mais de manteiga de cacau no poduto para evitar que fique duro. Como onsequência têm-se um sabor levemente Chantilly diferenciado que em outras épocas do ano.

O fato de ficar branco é que ele não foi bem temperado, não que esteja ruim. É um cuidado que deve ser tomado. Se antigamente a Páscoa representava 90% da renda anual de uma fábrica de chocolate, hoje esse número gira em torno de 35 a 40%. Nem por isso, a produção é menos intensa. “Faço ovos de 1,5g até 5kg, então é difícil falar em quantidade. O que posso dizer é que três semanas antes do Carnaval passamos a produzir 24h por dia pensando na Páscoa. Até á produzimos os bombons. Depois disso, a partir da Quarta-feira de Cinzas, passamos a produzir os Ovos de Páscoa – na madrugada, porque não tenho espaço para fazer durante o dia. Trabalhamos no mínimo com a produção que será vendida, a partir daí, nos dez dias que antecedem a Páscoa, a gente acompanha o mercado para ver se está aquecido”.

As opções são muitas: ao leite, recheados, crocante, branco, decorados, com desenhos e embalagens especiais, ovos personalizados com a logomarca da empresa e até quebracabeça de chocolate são encontrados no balcão.



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3 comentários:

  1. Nossa que história!
    Parabéns pela ótima postagem!

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  2. Puxa fiz uma viajem ao tempo agora.
    Lembro desta casa de chocolate, pois eu era criança e morava no Orfanato (IAMI) nem sei se existe ainda,+ era uma casa enorme e na esquina fica está Casa de chocolates...embora tempos triste de abandono está era a razão pra eu estar em um Orfanato.
    Mesmo assim que delicia lembrar e saber que está fabrica ainda existe.
    Bateu saudades da minha linda e maravilhosa Indaiatuba!

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  3. Achei muito legal o seu blog. Sou de São Paulo, mas tenho prima e conhecidos em Indaiatuba. Parabéns pela iniciativa!!

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