terça-feira, 4 de março de 2014

O Crime do Poço - Capítulo 18 – Sepultamento e ... Milagres (último capítulo)



 

 

Além da vítima barbaramente assassinada neste latrocínio, 157 pessoas morreram em Indaiatuba em 1907, sendo 99 crianças com menos de 1 ano de idade[1].

O “crime do poço” é ainda lembrado por moradores que, de uma forma ou de outra, ouviram algo sobre essa tragédia que ainda emociona e espanta. A “tragédia da rua candelária”, escrita por Mário Dotta em seu livro homônimo registra que “lágrimas foram derramadas pela vítima”, mas também muitas lágrimas foram derramadas pelos delinquentes e seus familiares”, que não deveriam jamais terem sido apontados por um delito que não cometeram.

São decorridos 100 anos. Nenhum envolvido vive mais, mas muitos se envolveram após o sepultamento. Inúmeras foram as pessoas que levaram flores e acenderam velas sobre as cinzas do menino Domênico.

Nos idos anos decorrentes logo após 1907, lágrimas de saudade da família, que de desgosto retornou para a Itália[2] e lágrimas caridosas da população conterrânea à tragédia umedeceram o túmulo.

Com o passar dos anos, a saudade se transformou em piedade. E a tristeza, quem diria...se transformou em esperança. Sim, por motivos óbvios para a fé de alguns e incompreensíveis para o ceticismo de outros, o túmulo se transformou em uma referência onde se reza não só pela paz de quem ali jaz, como em quase todas as lápides, mas se reza para agradecer e para pedir.

Tentei encontrar conceitos e definições conversando com várias pessoas de religiões e crenças diferentes, lendo livros e textos de antropologia e religião, no sentido de oferecer aos leitores explicações para o que acontece ali, mas desisti.

Escolhi simplesmente registrar que o “mistério da fé” é o elemento responsável por acolher as orações dos que ali se aproximam, ou daqueles que de Domenico ou de sua história se lembram à distância. Em uma linguagem moderna, contextualizada dentro do momento em que vivemos, eu diria com extrema dose de subjetividade, que o túmulo é um portal para o céu, para o bem.

E para não registrar apenas minha particular definição, medíocre diante da grandiosidade desse mistério de fé, creio ser justo, indispensável e emocionante registrar a opinião de uma descendente da família de Domênico. Trata-se de sua sobrinha neta, cujo pai é filho do irmão do Domênico, o Antônio de Lucca, “uma pessoa muito boa, “todos que o conheceram diziam que era o maior coração do universo, humilde, amigo... adorava as crianças, vivia comprando balas e doces e distribuía na rua.” Ela conta que acredita que, pela quantidade de orações recebidas, Domênico ganhou luz e começou a fazer pequenos milagres.

 

[...]

 

Embora acostumado pela sua profissão, o médico responsável pela autópsia ficou horrorizado à vista de tão hediondo crime.  Fez um esforço para limitar-se a fazer sua obrigação com frieza e precisão, mas titubeou em uma sensação de compaixão e revolta. Por fim, despediu-se do pai, autorizando o enterro, dando por encerrada a parte legal do lamentável episódio.

O senhor Modesto, que a tudo acompanhara, com a coragem que somente o amor paterno pode infundir, enrolou o corpo do filho num lençol e, ajudado por outras almas solidárias, carregou o cadáver até a igreja.

O padre Miguel Guilherme, pároco da matriz Nossa Senhora da Candelária, presidiu palavras de consolo para toda a população abalada que, pouco a pouco, adentrava na igreja em profundo silencio para acompanhar a celebração.

O cortejo fúnebre partiu ao som do sino da matriz, que ecoava para os campos de toda a redondeza, em compasso único, uma melodia tristonha, anunciado a vida que se findara... Findara a vida do jovem imigrante italiano que, na flor da juventude, havia chegado a nossa terra simplesmente para cumprir seu dever de filho e de trabalhador.

Do largo da matriz até o largo da cadeia, todas as portas e janelas se fecharam em profunda manifestação de respeito e luto à perda irreparável e a dor irredutível do pai, que fortemente abraçava o cadáver do filho.

E naquele dia... Todas as flores de Indaiatuba foram cortadas para enfeitar o corpo do jovem, e ninguém ficou em casa. Moradores que estavam nas ruas, como de costume[3], ajoelharam-se em sinal de profundo respeito, enquanto todos os outros acompanhavam o ato de piedade e caridade cristã.

Até a banda[4] da cidade acompanhou o pobre pai a carregar seu filho Domênico, com mistas e lutuosas melodias.

E naquela triste tarde de verão, do largo da cadeia até o cemitério, a paisagem arborizada por carvalhos, magnólias e altos pés de biris[5] testemunhou o comovente cortejo, que lentamente caminhava no chão batido, levando o menino Domênico até sua última morada.

Túmulo sempre visitado por pessoas que rezam, buscando conforto para suas aflições. E ali no cemitério de Pedra, na Rua Candelária, até hoje jaz o menino em um túmulo construído pela municipalidade.

Túmulo coberto de ex-votos, de fiéis e devotos que, por ali orarem, alcançaram graças e milagres.

Túmulo sempre florido com homenagens e lembranças póstumas.

Túmulo sempre visitado por pessoas que rezam, buscando conforto para suas aflições.

Túmulo sempre velado pelo carinho do povo de Indaiatuba, que não pôde esquecer o trágico destino de Domênico de Lucca, que se foi...

Com apenas 17 anos de idade.

 
 
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Religião para Tomás de Aquino é o estudo da virtude moral pela qual o homem deve render graças a Deus [STh I-II,q60,a3,c]. Em Tomás de Aquino encontramos uma profunda análise filosófica da religião enquanto virtude pela qual o homem se converte a Deus, se orienta a Deus e rende-Lhe graças.



[1]  Dados do SAEDE - Sistema Estadual de Análise de Dados da Secretaria de Economia e Planejamento do Governo do Estado de São Paulo)
[2]  Informação da sobrinha-neta de Domênico de Lucca, Márcia Cristina de Lucca, dada em 2007 (informação verbal).
[3]  SANNAZARO, p. 73
[4]  CARVALHO, p. 77
[5]  SANNAZZARO, p. 87
 

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