Além
da vítima barbaramente assassinada neste latrocínio, 157 pessoas morreram em
Indaiatuba em 1907, sendo 99 crianças com menos de 1 ano de idade[1].
O
“crime do poço” é ainda lembrado por moradores que, de uma forma ou de outra,
ouviram algo sobre essa tragédia que ainda emociona e espanta. A “tragédia da
rua candelária”, escrita por Mário Dotta em seu livro homônimo registra que
“lágrimas foram derramadas pela vítima”, mas também muitas lágrimas foram
derramadas pelos delinquentes e seus familiares”, que não deveriam jamais terem
sido apontados por um delito que não cometeram.
São
decorridos 100 anos. Nenhum envolvido vive mais, mas muitos se envolveram após o sepultamento. Inúmeras foram as
pessoas que levaram flores e acenderam velas sobre as cinzas do menino
Domênico.
Nos
idos anos decorrentes logo após 1907, lágrimas de saudade da família, que de
desgosto retornou para a Itália[2]
e lágrimas caridosas da população conterrânea à tragédia umedeceram o túmulo.
Com
o passar dos anos, a saudade se transformou em piedade. E a tristeza, quem
diria...se transformou em esperança. Sim, por motivos óbvios para a fé de
alguns e incompreensíveis para o ceticismo de outros, o túmulo se transformou
em uma referência onde se reza não só pela paz de quem ali jaz, como em quase
todas as lápides, mas se reza para agradecer e para pedir.
Tentei
encontrar conceitos e definições conversando com várias pessoas de religiões e
crenças diferentes, lendo livros e textos de antropologia e religião, no
sentido de oferecer aos leitores explicações para o que acontece ali, mas
desisti.
Escolhi
simplesmente registrar que o “mistério da fé” é o elemento responsável
por acolher as orações dos que ali se aproximam, ou daqueles que de Domenico ou
de sua história se lembram à distância. Em uma linguagem moderna,
contextualizada dentro do momento em que vivemos, eu diria com extrema dose de
subjetividade, que o túmulo é um portal
para o céu, para o bem.
E
para não registrar apenas minha particular definição, medíocre diante da
grandiosidade desse mistério de fé, creio ser justo, indispensável e
emocionante registrar a opinião de uma descendente da família de Domênico.
Trata-se de sua sobrinha neta, cujo pai é filho do irmão do Domênico, o Antônio
de Lucca, “uma pessoa muito boa, “todos que o conheceram diziam que era o maior
coração do universo, humilde, amigo... adorava as crianças, vivia comprando balas
e doces e distribuía na rua.” Ela conta que acredita que, pela quantidade de
orações recebidas, Domênico ganhou luz e começou a fazer pequenos milagres.
[...]
Embora
acostumado pela sua profissão, o médico responsável pela autópsia ficou
horrorizado à vista de tão hediondo crime. Fez um esforço para limitar-se a fazer sua
obrigação com frieza e precisão, mas titubeou em uma sensação de compaixão e
revolta. Por fim, despediu-se do pai, autorizando o enterro, dando por
encerrada a parte legal do lamentável episódio.
O
senhor Modesto, que a tudo acompanhara, com a coragem que somente o amor
paterno pode infundir, enrolou o corpo do filho num lençol e, ajudado por
outras almas solidárias, carregou o cadáver até a igreja.
O
padre Miguel Guilherme, pároco da matriz Nossa Senhora da Candelária, presidiu
palavras de consolo para toda a população abalada que, pouco a pouco, adentrava
na igreja em profundo silencio para acompanhar a celebração.
O
cortejo fúnebre partiu ao som do sino da matriz, que ecoava para os campos de
toda a redondeza, em compasso único, uma melodia tristonha, anunciado a vida
que se findara... Findara a vida do jovem imigrante italiano que, na flor da
juventude, havia chegado a nossa terra simplesmente para cumprir seu dever de
filho e de trabalhador.
Do
largo da matriz até o largo da cadeia, todas as portas e janelas se fecharam em
profunda manifestação de respeito e luto à perda irreparável e a dor
irredutível do pai, que fortemente abraçava o cadáver do filho.
E
naquele dia... Todas as flores de Indaiatuba foram cortadas para enfeitar o
corpo do jovem, e ninguém ficou em casa. Moradores que estavam nas ruas, como
de costume[3],
ajoelharam-se em sinal de profundo respeito, enquanto todos os outros
acompanhavam o ato de piedade e caridade cristã.
Até
a banda[4]
da cidade acompanhou o pobre pai a carregar seu filho Domênico, com mistas e lutuosas
melodias.
E
naquela triste tarde de verão, do largo da cadeia até o cemitério, a paisagem
arborizada por carvalhos, magnólias e altos pés de biris[5]
testemunhou o comovente cortejo, que lentamente caminhava no chão batido,
levando o menino Domênico até sua última morada.
Túmulo
sempre visitado por pessoas que rezam, buscando conforto para suas aflições. E
ali no cemitério de Pedra, na Rua Candelária, até hoje jaz o menino em um
túmulo construído pela municipalidade.
Túmulo
coberto de ex-votos, de fiéis e devotos que, por ali orarem, alcançaram graças
e milagres.
Túmulo
sempre florido com homenagens e lembranças póstumas.
Túmulo
sempre visitado por pessoas que rezam, buscando conforto para suas aflições.
Túmulo
sempre velado pelo carinho do povo de Indaiatuba, que não pôde esquecer o trágico
destino de Domênico de Lucca, que se foi...
Com
apenas 17 anos de idade.
Religião para Tomás de Aquino é o
estudo da virtude moral pela qual o homem deve render graças a Deus
[STh I-II,q60,a3,c]. Em Tomás de Aquino encontramos uma profunda análise filosófica da religião enquanto virtude pela
qual o homem se converte a Deus, se orienta a Deus e rende-Lhe graças.
[1] Dados do SAEDE - Sistema Estadual de Análise
de Dados da Secretaria de Economia e Planejamento do Governo do Estado de São
Paulo)
[2] Informação da sobrinha-neta de Domênico de
Lucca, Márcia Cristina de Lucca, dada em 2007 (informação verbal).
[3] SANNAZARO, p. 73
[4] CARVALHO, p. 77
[5] SANNAZZARO, p. 87
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