terça-feira, 4 de março de 2014

O Crime do Poço - Capítulo 17



 

 Antônio confessou sua participação no dia 21 de dezembro de 1907[1], mas negou ter ficado com qualquer quantia roubada da vítima. 

No mesmo dia, Eugênio confessou sua participação no assassinato, mas disse que não sabia onde estava o dinheiro que recebera na partilha.  Contou sem ressalvas ou constrangimento que encontrara com Antônio por volta do meio-dia no dia do assassinato, que havia ido a sua casa para a refeição e que na volta, "...na rua Candelária... perto do largo da Cadeia...[quando ia em] ...direção a sapataria que trabalha, na rua Boa Vista desta cidade...encontrou-se com Antônio... [que lhe disse]... vamos até a casa de Adão R. que lá tem um viajante que tem dinheiro e nós poderemos roubar o dinheiro dele.” E para lá se dirigiram. Em nenhum momento Eugênio declarou dúvida sobre o convite que aceitara sem nenhum questionamento.

E em nenhum momento qualquer um deles declarou arrependimento.


[...]


No ano em que foram presos e condenados, os três assassinos fizeram parte do total de 248 pessoas que foram presas e condenadas por crime no estado de São Paulo (vide anexo I).

A sessão do julgamento teve início em Itu, no prédio da Câmara Municipal, instalado na época na rua da Palma no. 60 no dia dez de novembro de 1908, as 8 horas da manhã. O juiz e presidente do tribunal foi o Doutor José de Campos Toledo. Os juízes de direito, na época, estavam dispensados de provas (concursos), mas era exigido que fossem “... bacharéis de direito, maiores de 28 anos, bem conceituados, tendo pelo menos 4 anos de prática de foro, adquiridas nos efetivos exercícios de advocacia ou de ministério público no Estado[2]”.

O promotor público foi o Doutor Carlos Alberto Vianna, e doze jurados foram sorteados.  O primeiro a ser julgado foi Adão, cujo advogado de defesa foi José Adriano Marrey Júnior. Após ouvir as testemunhas, a única ressalva de Adão foi que havia sido induzido pelos outros réus. Por unanimidade de votos o júri entendeu que Adão R. subtraiu dinheiro da vítima Domênico de Lucca contra a vontade do mesmo; que praticou violência física atirando sobre a vítima uma pedra; que para subtrair a quantia cometeu a morte da vítima; que o réu atraiu a vítima para o local do crime com o pretexto de mostrar-lhe uma partida de milho, para que outros cometessem o crime, que assim procedendo prestou auxílio, sem o qual o crime de roubo com homicídio não seria cometido; que o réu cometeu o crime com superioridade em força, de modo que o ofendido não pode defender-se com a probabilidade de repelir a ofensa; que o réu cometeu o crime com superioridade em armas, de modo que o ofendido não pode defender-se com probabilidade de repelir a ofensa; que o réu cometeu o crime ajustando com outros a perpetração do mesmo crime.
 
  Como atenuante a favor do réu, o júri entendeu que, por ser Adão um ser o delinqüente menor de 21 anos, em vez de cumprir 30 anos, seria condenado há 25 anos e seis meses e obrigado a pagar como multa, ¼ do valor da quantia subtraída , com fundamento no artigo 359 do Código Penal (editado em outubro de 1890).

No dia seguinte, 11 de novembro, foi a vez do julgamento de Eugênio C., cujo advogado era Alfredo Bauer. Após ouvir as testemunhas, Eugênio apontou como ressalva que confessou que roubou a faca após ter sido tratado com animosidade pelas autoridades policiais de Indaiatuba, que contra ele usaram de violência física. Da mesma forma que Adão, foi condenado por unanimidade pelos 12 jurados, que entenderam que Eugênio subtraiu dinheiro da vítima Domênico de Lucca contra a vontade do mesmo; que praticou violência física com uma faca, conforme ferimento descrito nos autos do exame cadavérico; que para subtrair a quantia cometeu a morte da vítima; que procedendo assim prestou auxílio, sem o qual o crime de roubo com homicídio não seria cometido; que cometeu o crime com superioridade em força, de modo que o ofendido não pode defender-se com a probabilidade de repelir a ofensa cometida; que cometeu o crime com superioridade em armas, de modo que o ofendido não pode defender-se com probabilidade de repelir a ofensa; que cometeu o crime com surpresa ao envolvido; que o réu cometeu o crime ajustando com outros a perpetração do mesmo crime; que o réu cometeu o crime com premeditação, tendo entre a deliberação criminosa e a execução um espaço de 24 horas. Foi condenado no artigo 359 do Código Penal, a 30 anos de prisão, absolvido de multas, pelo juiz considerar que pela sua prisão faltaria meios para sua liquidação.

No dia 16 de novembro foi a vez de Antônio N., cujo advogado era Juvenal do Amaral. Após ouvir as testemunhas, Antônio reagiu de uma forma diferente dos comparsas, negando sua participação no crime. Sim, negou a participação, dizendo que só assinou sua culpa após “completo desânimo” provocado por violências das autoridades policiais de Indaiatuba e que continuaria para sempre negando ser o autor da morte de Domênico. Mesmo com a veemência com que gritava sua inocência, também foi condenado por unanimidade pelos 12 jurados, que entenderam que Antônio subtraiu dinheiro da vítima contra a vontade do mesmo; que praticou violência física com um pau, fazendo ferimentos contusos e fraturas nos ossos conforme indicações nos autos do exame cadavérico; que para subtrair a quantia cometeu a morte da vítima; que procedendo assim prestou auxílio, sem o qual o crime de roubo com homicídio não seria cometido; que cometeu o crime com superioridade em força, de modo que o ofendido não pode defender-se com a probabilidade de repelir a ofensa cometida; que cometeu o crime com superioridade em armas, de modo que o ofendido não pode defender-se com probabilidade de repelir a ofensa; que cometeu o crime com surpresa ao envolvido; que o réu cometeu o crime ajustando com outros a perpetração do mesmo crime; que o réu cometeu o crime com premeditação, tendo entre a deliberação criminosa e a execução um espaço de 24 horas. Também foi condenado no artigo 359 do Código Penal, a 30 anos de prisão, absolvido de multas, pelo juiz considerar que pela sua prisão faltaria meios para sua liquidação.

Conforme documento seguinte (cópia dos autos do processo, com a grafia mantida) apenas Antônio N. cumpriu parcialmente a essa primeira sentença, uma vez que recorreu e sua pena foi redefinida para 21 anos de prisão. Na ocasião em que recorreu, Antônio continuou a dizer que “provará que, no dia cinco de dezembro de 1907... não tomou parte em um crime que se deu na casa de Adão R.”... [e que só havia confessado o crime anteriormente, na cadeia de Indaiatuba]... “pois sofrera pancadas... teve as mãos amarradas... e de tanto maus tratos, confessou o delito...”

 

 
 
[Brasão da República]  Juízo de Direito das Execuções Criminaes da Capital
Do Estado de S. Paulo
No. 297
                                                               S. Paulo, 27 de dezembro de 1928
                                                               J. Itú, 20 de / XII/28
                                                               [ assinatura]
 
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da comarca de Itú.
 
                               Tenho a honra de comunicar a V. Excia. Que. Nesta data, foi posto em liberdade por alvará de soltura expedido por este Juízo, o sentenciado Antônio N., que, na Penitenciária do Estado, terminou o cumprimento da pena de 21 anos de prisão cellular, que lhe foi imposta pelo Jury dessa Comarca, em sessão de 24 de agosto de 1910, como incurso do grão médio do artigo 359 do Código Penal.
                                                               Aproveito a opportunidade para apresentar a V. Excia os protestos da minha elevada estima e distincta consideração.
 
                                                                                              [assinatura]
                                                                                              O Juiz substituto.

 

Com base na mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de São Paulo, em 14 de julho de 1908, pelo então governador da província, Dr. M. J. Albuquerque Lins em que relata as condições dos presos na Penitenciária em que ficou Antônio, podemos ter um panorama destes 21 anos de reclusão:

“É uma das maiores necessidades do Estado, a bem da administração da Justiça, a construção de uma nova Penitenciária, segundo conceito moderno, de acordo com o grau de civilização a que já chegou o Estado de São Paulo, e com capacidade para recolher todos os condenados. Já alguma coisa se tem feito com a edificação de cadeias nas localidades; mas é insuficiente, porquanto as cadeias destinadas as detenções simples não possuem oficinas de trabalho, nem escolas, nem enfermarias, não possuem, enfim, nenhuma das condições necessárias para o preenchimento dos fins da pena[3]”.

Conforme publicou o jornal indaiatubano Tribuna de Indaiá, na ocasião do 53º. aniversário do crime, “...os criminosos foram condenados ... e enfim desapareceram da lembrança do povo”.

Mario Dotta escreveu que “menciona a crônica forense que Eugênio C. morreu na prisão, Antônio N cumpriu toda a pena e ganhou a liberdade e Adão R. conseguiu fugir da prisão, não tendo sido jamais encontrado”.


Sobre os protestos de inocência bradados pelos envolvidos, no texto do jornal se lê que “... a esta altura, talvez os três tenham chegado à presença da Divina Justiça, à qual nada se pode esconder. Talvez até tenham recebido o merecido castigo, talvez a infinita misericórdia de Deus os tenha perdoado, assim como deve tê-lo feito a própria vítima, o bom moço Domênico de Lucca.”

  A publicação de detalhes sobre o crime, que entrou para a história de Indaiatuba com o título “O Crime do Poço”, ocorreu durante 4 edições, nos dias 04, 11, 25 de dezembro de 1960 e 01. de janeiro de 1961 e sensibilizou a população da época que, dividida, se manifestou contra e a favor da iniciativa, conforme nota do redator:


“Por termos traduzido de um livro e publicado a história do famoso Crime do Poço, ocorrido nesta cidade, no princípio deste século, recebemos elogios e críticas. Os que nos lisonjearam, naturalmente foram as pessoas partidárias do esclarecimento total do fato que enlutou a cidade e que embora a longo tempo da ocorrência, perdura na memória de todos.

Os que nos condenaram pela revivescência do acontecimento alegam que muitos que nada tiveram com o fato ainda vivem, isto é os descendentes e parentes dos autores.

Mas na história da vida sempre há duas correntes antagônicas.

Todavia, o que nos impulsionou a reviver o passado , foi nossa intenção de esclarecer o fato, sem aquele sentido de exploração para fazer sensacionalismo jornalístico, tão em moda em nossos dias.

Somos daqueles que concebem que a imputação da pena não vai além dos infratores, isto é, de que a lei não atinge descendentes ou parentes, como considera a norma penal moderna. Assim também na moral, as pessoas que não tiveram participação ativa ou passiva nada tem a ver com o caso, motivo porque não tivemos dúvidas de fazer estas publicações, que não afetam de maneira nenhuma as pessoas vivas, ligadas pelo laço de parentesco aos autores do crime.”

 




[1] As informações deste capítulo são advindas dos autos do processo
[2] Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo Presidente do Estado de São Paulo, Dr. M. J. Albuquerque Lins, em 14 de julho de 1908, p. 7. São Paulo. TYP do Diário Oficial, 1916 (reedição).
[3]  Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo Presidente do Estado de São Paulo, Dr. M. J. Albuquerque Lins, em 14 de julho de 1908, p. 13. São Paulo. TYP do Diário Oficial, 1916 (reedição).
 

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