Capítulo XIII– Premonição e Busca
Depois
do relógio da matriz Nossa Senhora da Candelária ter anunciado meio-dia[1],
quando o assunto já borbulhava, Antônio N.,
fingindo nada tendo a ver com o assunto, dirigiu-se com três colegas, Domingos Gazinhato, ferreiro, 29 anos,
casado, e seu concunhado Ambrósio Lizoni,
35 anos, comerciante e Arthur Tomazi,
23 anos, negociante, para uma fazenda
próxima, da Dona Escolástica Bicudo. Domingos e Ambrósio caçavam passarinhos pelo
caminho, com duas espingardinhas. Logo após a chegada deles, que foram até ali
para comer melancias e esperar a hora passar, chegou Adão. Como era de se
esperar, ali também o assunto emergiu.
Adão
disse que tinha feito negócio com ele, que era um moço bem jovem, de dezessete
anos, e que trazia muito dinheiro consigo. Mas que, além disso, nada sabia e
calou-se, cabisbaixo, não participando mais da conversa.
Domingos Gazinhato
mostrou sua surpresa ao tomar conhecimento da idade, dizendo que com dezessete
anos, ele era nada mais do que uma criança; mas que achava que ele deveria ter
se engraçado com alguma mulher, com ela estando em qualquer parte naquela hora.
Antônio
respondeu que... “Uma pessoa de dezessete
anos já é um homem que sabe tratar de seus negócios, e não uma criança.”
Domingos
Gazinhato encerrou a conversa teimando que sim, que achava sim, que ele era
apenas uma criança. E sem notar nenhuma apreensão, arrependimento ou tristeza
nos dois algozes, Domingos Gazinhato prolongou
ainda o assunto, lançando na conversa a possibilidade de ter havido roubo
seguido de morte, uma vez que, como dissera Adão, o menino tinha muito
dinheiro.
Nessa
hora Antônio N. disse que "...as
conversas sobre o moço lhe arrepiavam o corpo e achava impossível que houvesse
gente capaz de matar Domênico de Lucca nesta cidade”. Esperaram a chuva
passar e foram embora.
Prédio da
Cadeia e Câmara – Onde hoje há uma fonte luminosa, na Praça Prudente de Moraes
Foto
do acervo do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba – Coleção Antonio da Cunha
Penna
Fundação
Pró-Memória de Indaiatuba
Enquanto
isso, Modesto foi a cadeia onde encontrou o delegado Firmino e o prefeito da
cidade, Major Alfredo.
Foi
formalizar a queixa.
Conforme
redigiu o escrivão Luiz Teixeira, o Sr.
Antônio Lelário declarou que havia estado com Domênico de Lucca no dia 04 e
também no dia seguinte, quando tomaram o trem e saíram juntos em viagem até Rio
das Pedras, onde ele desceu. No percurso, Domênico contara que viria para
Indaiatuba a chamado de um negociante, para comprar milho.
Com
base nos fatos e nas notícias, que corriam como vento no povoado, o delegado
aceitou a queixa de Modesto de Lucca. Ordenou que naquela hora fossem sondar o
poço localizado no quintal da venda de Adão R., indiciando-o para depor:
"... chegando ao meu conhecimento
por queixa do cidadão Modesto de Lucca, que seu filho Domênico (...)
desapareceu misteriosamente sem que se saiba o rumo que tomou e podendo haver
no caso algum crime à apurar [uma
vez que o desaparecido] trazia dinheiro
consigo e tomando as declarações de Antônio Lelário que aqui [no prédio da
cadeia] se acha em segredo presente, digo
procedente o desentupimento do poço...”
Nesse
ínterim, Antônio N. caminhou até na rua Candelária, esquina com o largo da
Cadeia. Precisava espairecer e ali no local para onde fora, onde era a venda de
José Balomiro, talvez conseguisse
esquecer o que se no passara seu desagradável encontro com o pai do menino e
talvez ainda respirar e serenar um pouco. Doce ilusão, pois a culpa estava
dentro de si e qualquer fato ou pessoa o remeteria ao crime, uma vez que não se
falava em outro assunto na até então pacata cidadezinha, atenta que estava com
os últimos acontecimentos.
Na
venda de José estava seu cunhado Nicola Ferrari e Domingos Gazinhato, todos os
três do lado de fora, espreitando o que acontecia há poucos metros dali, na
casa de Adão, onde as autoridades observavam ou planejavam alguma coisa... Algo
referente a um poço. Desconheciam que tinham ido buscar o suspeito para ser
preso.
Naquele
momento chegou a venda o funcionário público Cornélio Inácio Ribeiro, 29 anos, casado, natural de Cabreúva, para
pagar uma conta da Câmara no valor de 12:000$000 (doze mil réis). Como não
sabia o que estava acontecendo na casa de Adão, Cornélio perguntou e o assunto
emergiu, cada qual dando seus ruidosos pareceres, até que, para sobressalto de
todos, Antônio gritou que parassem com o falatório. Que ele estava "... nervoso por pensar num crime tão
horroroso, e que por isto não podia comer, nem tomar café.” Sem-graça, o
grupo calou-se, pouco entendendo o surto. E para dispersar a muda inquietação
que se instalou, Domingos brincou, respondendo: “[pois] eu estou muito fresco...” e entraram para o café.
Adão
R. foi imediatamente levado para a cadeia, sob a suspeita de ter tido parte
importante no desaparecimento do moço.
Sua detenção transformou o zum-zum-zum
que percorria a cidade em verdadeira polvorosa: é que quando alguém ia
preso, o sino da cadeia anunciava a detenção para todos.
- “Bem que percebi que as prateleiras da venda
dele, antes tão vazias, estão agora cheia de ofertas...” Esse era o
comentário geral, depois da “entrega” feita pelas sonoras e escancaradas
badaladas.
Interrogado,
protestou sua inocência e alegou não saber nada. Admitiu ter visto e falado “num daqueles dias” com Domênico, mas não
sabia mais “nada, nada”, além disso.
Já
para sua mãe, que morava com o pai na colônia da Fazenda Bicudo, Adão confessou
o crime.
Em seu depoimento, a ela contou que no dia 12 de dezembro estava na
calçada em frente a casa do carpinteiro Hugo quando, tomada por um susto, vira
seu filho subindo a rua Candelária acompanhado por um soldado. Naquele momento
perguntou ao filho o que significava aquilo. Ao que ele respondeu: "-
que estava perdido... [porque] ...matamos um e atiramos no poço.” O
soldado, sem ouvir o que fora dito, não se deteve, continuando a levar o
suspeito disciplinadamente para a cadeia, deixando a mãe atordoada, sem querer
aceitar a confissão que acabara de ouvir. Sua vida já era terrivelmente marcada
por uma triste lembrança de outro assassinato, cometido pelo seu pai, Giovane Cavalieri. Apaixonado e amante
de uma mulher casada de nome Regina,
cego pela paixão e para atender seu pedido, havia assassinado em Banholo,
Mantova, na Itália, o marido dela, um rico comerciante. Mas agora... O filho...
Como suportaria a dor?
Naquela
noite o delegado resolveu manter Adão preso, que protestava insistentemente
nada saber sobre o assunto. Decidiu também que, na manhã seguinte, faria
pessoalmente uma vistoria na casa do suspeito, especialmente no poço do quintal.
Enquanto
isso o Sr. Modesto voltou para o hotel de Dona Meritá. A mulher emocionava-se
ao falar de Domenico para o pai. Referia-se a ele como uma criatura afável,
alegre e cordial, extrovertido e bem falante. “Ele era bondoso, acariciava a
filhinha, lhe dera presentes”. E desatou em soluços.
“-
Ele não voltou mais depois que saiu na tarde do dia cinco, prometendo voltar
para o jantar. Tudo o que é dele está aqui... o Senhor pode ver.”
O
pai explodiu em soluços. Olhou para o leito arrumado com limpos lençóis e o
pressentimento tomou força, invadindo e aterrando seu coração. Relembrou o
sonho que tivera, pareceu ver ali o filho Domênico.
-
Dove ´sta Domênico? Dove ´sta Domênico? Dio Mio!
A
mulher chorava ao lado. Fora seus olhos que mais de perto acompanharam o
trajeto final de Domênico, seus últimos instantes de vida, quando ele se
afastaram alourado e belo, com seu chapéu acinzentado, na rua Candelária.
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