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cedinho, na manhã da sexta-feira, 13 de dezembro[1],
os homens chamados pelo delegado já estavam perto do poço para iniciar a
escavação. O poceiro Miguel Nunes Pereira foi o encarregado
de liderar o desenterro do poço que se situava, segundo o Auto de
Desentupimento, na Rua Candelária número 21, num quintal em comum com a casa da
mesma rua número 23, onde tinha o comércio e morava Adão.
O
poço tinha sua boca coberta por paus de lenha. Após escavar aproximadamente 5
metros, o poceiro chamou a atenção para os ramos verdes que encontrara, junto
com latas velhas e palhas de milho.
Ramos
verdes?
Enterrados
nesta profundidade?
O
sargento Francisco José, que
acompanhava o grupo, começou a procurar algum indício. Não foi necessário
nenhum esforço extraordinário, nenhum talento investigativo: no chão da salinha
da casa abandonada, encontrou restos de papel e palha queimados. Movendo-os, viu umas manchas parecidas com
sangue. O que todos já suspeitavam, começava a ganhar força, intuições e
desconfianças, agora eram quase certezas. Sem perder mais tempo começaram a
tirar terra do poço, mas o trabalho ia com vagar e conforme conseguiam afundar,
nada aparecia.
O
pai da vitima, desolado, acompanhava angustiosamente a escavação minuto a
minuto, e dali não arredou o pé nem por um segundo até o triste desfecho.
Em
certo momento, no meio das pessoas que se remexiam em comentários e burburinhos,
acompanhando junto com ele e demais autoridades o trabalho, estava Antônio N. escondido
perversamente na máscara da simples curiosidade. Numa certa altura, tentando
despistar os presentes, disse “-Este
trabalho que estão fazendo é inútil; o poço tem 90 palmos de fundo e aposto 200
mil réis que não irão encontrar nada.”
Por
motivos óbvios ninguém aceitou o desafio, nem tão pouco alguém respondeu à tão
inapropriado comentário. Após fazer esta provocação cínica, que na verdade
encobria o medo de ser descoberto, afastou-se dali, resmungando, fingindo
desdém.
Na
esquina da Rua Candelária, no largo da Cadeia, encontrou com Domingos Gazinhato, que em depoimento,
dias mais tarde, contou que, ao falar no assunto com ele, não por motivo
específico, mas por ser o assunto que todos falavam, Antônio muito agitado,
dissera “- Como fico nervoso quando falam
nesse negócio.” Narrou ainda que, em seguida, Antônio pôs as mãos sobre os
olhos, achou por um momento que ele estava chorando, mas ele justificou que “...
estavam piscando” [involuntariamente], fato que ele não estranhou no momento
pois "...[ele] sempre tinha olheiras roxas e se queixava de
dores de cabeça.”
Ernesto
Horácio Otranto, 30 anos, casado, italiano, sapateiro e patrão de Eugênio C.
declarou, em depoimento, nada ter visto sobre o crime, apenas “ouvira que havia desaparecido um moço
chamado Domênico de Lucca, que estavam desentupindo um poço velho no quintal da
casa vizinha de Adão.” Após tomar conhecimento desses murmúrios em cada
esquina que passasse, ele narrou que foi, como tantos outros naquele dia 13 de
dezembro, rodear a escavação no quintal da casa da Rua Candelária. Após testemunhar que matos verdes foram
retirados de relativa profundidade, voltou para sua casa para almoçar, onde
estava Eugênio C.. Comentou com aquele seu empregado que, embora nenhum cadáver
tivesse sido encontrado até então, ele, e tantos outros, desconfiavam que o
cadáver estaria ali mesmo e que fora jogado e escondido, uma vez que aqueles
matos verdes não cresceriam naturalmente naquela profundidade. Ao que Cardinalli respondeu "... [também
acho] ...que o cadáver deve estar dentro
do poço, mas se for isso exato, não será só o Adão R. o criminoso, ...[que
haveria de ter mais cúmplices]...pelo
menos mais dois.” E após breve pausa, Cardinalli disse: “gatto ci cova”, que significa “tem algo escondido aí.”
Mais
tarde Ernesto voltou para acompanhar a morosa escavação, acompanhada em cada
segundo pelo pai Modesto de Lucca, de quem todos estavam com profunda
compaixão.
Ao
retornar para casa e novamente conversar com seu empregado, falou com ele, em
tom de brincadeira, que naquela altura estava achando que também ele iria para
a cadeia, uma vez que ele estava sempre lá na venda de Adão, jogando cartas.
Nesta altura não tinha certeza de nada, mas seu tom de zombaria disfarçava uma
intuição, reforçada pelo tremor que percebeu em Eugênio quando falou sobre o
mato.
Ernesto
terminou seu depoimento dizendo que de estranho mesmo naqueles dias, só havia
ocorrido duas coisas. A primeira foi que percebeu que Eugenio, que sempre saia
para almoçar as dez e voltava ao meio dia, depois do dia cinco começou a voltar
só após as duas horas da tarde, justificando, um dos dias, que havia ido até a
estação de trem de Itaici, mandar um embrulho para o filho, que residia em Itu.
Por último, não se lembrando se no dia cinco ou seis do corrente, viu uma faca
“estranha”, que Ernesto tinha dito ser dele; explicando que não usara antes “por não ser boa para o serviço, [mas
que agora usaria, por ter]... “sido
amolada por Domingos Gazignato.” A faca foi colhida como prova do crime.
Tinha trinta e dois centímetros de comprimento e dois de largura... “coberta por mancha que parece ou é de
ferrugem e sangue... sangue no centro e ferrugem ao redor.”
Estação de
trem de Itaici
Foto
do acervo do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba – Coleção Antonio Mingorance
Filho
Fundação
Pró-Memória de Indaiatuba
Do
poço, era só terra que saia.
Terra
e mais terra.
Talvez
pela morosidade do pesado trabalho, que contrastava com grande excitação e
ansiedade, o delegado estava começando a desconfiar que no poço não se
encontraria nada. Retirou-se do local às quatro horas da tarde e resolveu então
voltar à delegacia, para interrogar novamente Adão R., que continuava a
declarar-se inocente e a protestar por encontrar-se na prisão sem motivo.
Já a
opinião pública, sem exatamente se saber porque já tinha seu veredito; todos
tinha certeza que havia um crime, e que havia sido praticado por “aqueles
três”. Mas essa convergência da opinião pública não era suficiente para que a
autoridade policial requisitasse a prisão dos três suspeitos.
Foi
então que o delegado pensou em recorrer a uma última estratégia...
Hum...
Talvez fosse dar certo!
Assim,
numa certa hora, no meio do interrogatório, entrou de repente em sua sala o
Major Alfredo, e dirigindo-se diretamente ao criminoso, disse “_É melhor você contar tudo, o cadáver foi
encontrado no poço.”
A firmeza
do Major deixou Adão R. branco, que após vacilar um pouco, com a respiração
ofegante e com os olhos voltados para o nada, finalmente começou a falar, quase
que sem parar:
“que estava em sua casa no dia 05 de
dezembro... que após o toque de recolhida [nove horas da noite], ao apagar o lampião do negócio, ouviu um batido na porta que já estava
fechada... encontrou Eugênio C. e Antônio N.... que convidaram o interrogado a
jogar, ao que respondeu que não valia a pena jogar em três, ao que Cardinalli
respondeu que logo [viria] um bom
parceiro, com bastante dinheiro e nós rapamos dele.”
Neste
seu primeiro depoimento, tomado pelo escrivão Luiz Teixeira, que escreveu que
"... o indiciado Adão R., livre dos
ferros e sem constrangimento algum... [declarou] ser negociante... natural de Mantova... morador na cidade há sete
meses...”, Adão R. narrou ainda,
que Domênico mostrou que tinha um grande maço de dinheiro no bolso, e que havia
topado jogar, dizendo “Tenho bastante
dinheiro e agüento qualquer parada.”
Narrou
que, em seguida à esse colóquio, Domênico saiu até o quintal para urinar,
quando então Antônio N. deu uma paulada forte em sua cabeça, agressão logo
seguida por outra, desta vez, Eugênio C. esfaqueou seu pescoço. Quanto a ele,
Adão, ficara somente encostado vendo tudo acontecer rapidamente e só jogou uma
pedra em Domênico, que jazia no chão, porque fora ameaçado pelos dois comparsas
“Se você não ajudar vai também para o
poço.” Disse que jogaram o cadáver no poço dentro de um saco, jogaram
cascos e terras que estavam na proximidade e dividiram o dinheiro. Embora tenha
dado informações mentirosas, confessara o crime.
Enquanto
isso, Atílio Colli tinha voltado para
Piracicaba e tinha sido preso pelo delegado de lá, mas não custou muito a
provar que o telegrama tinha sido transmitido errado. Ele o tinha redigido
desta forma “seu filho não está
aqui.” A fatalidade brincou com o pai da vítima e quis, que naquela altura,
Modesto tivesse a esperança falsamente renovada ao ler “seu filho bom está aqui.”
O
sino da matriz marcava cinco horas da tarde. O senhor José Tancler, que estava presente ao interrogatório, saiu dali
rapidamente para a casa do Adão, a fim de cumprir triste propósito, o de dar a
Modesto a trágica notícia. Seria portador da já indisfarçável notícia para o
pobre pai, que no fundo, no fundo, não queria acreditar no que se desvendava
rudemente ao seu olhar.
Diante
da certeza que insistira em não ver, diante da cruel verdade revelada pelo
sonho que insistira em não aceitar, o desespero abateu o pobre pai. Ouvira as
surdas palavras pronunciadas pesadamente pelo senhor José Tancler. A mensagem
era curta, mas de tão dolorosa parecia ecoar na escuridão do infinito. Estava
profundamente abatido e mal se sustinha em pé. Por que não haveria no mundo uma
lei divina que proibisse a morte dos filhos antes da morte dos pais?
Cambaleando
e sem forças, apesar de seus 42 anos apenas, sussurrou chorando de desespero:
-
Dio Mio! Mataram meu bambino, mataram meu Domênico!
No
rosto de todos os presentes escorreram lágrimas incontidas de comoção.
[...]
Puseram-se
enfim a tirar terra outra vez. Agora era só uma questão de tempo e trabalho.
Terra
e mais terra, até que o toque de recolher sonorizou o momento em que todos
deveriam ir para casa.
Mas
a cidade não descansaria com a tranqüilidade costumeira naquela noite...
Sombria sensação ancorava nos corações tristes. E o aparente silêncio era de
desassossego.
Ao
redor do poço e a cheiro de querosene misturado com o cheiro agridoce de terra
molhada, a fúnebre busca continuava, iluminada por poucos lampiões. Terra e mais terra.
Passava
um pouco mais das dez horas da noite quando o pai Modesto de Lucca, que não
abandonara de forma alguma, nem por um minuto, a triste diligência, reconheceu
alguns papeis entre a terra removida. Entre
anotações com a letra que reconheceu ser de seu filho, havia também um recibo
assinado por Antônio N..
Logo
depois, uma das armas do crime: o pau de fumo de setenta centímetros de
comprimento, com “manchas que pareciam sangue.” Dentro de um saco estavam uma
botina e um chapéu, que Modesto reconheceu como de propriedade de seu filho. A
cada profundidade revelada, as provas escancaravam o que, a todo custo, o pai
se recusava a aceitar. Por fim, onze e meia da noite “...foi encontrado o cadáver que pelo mau cheiro que exalava, denotava
estar em adiantado estado de putrefação ... [e]... que tendo em vista não haver na localidade peritos profissionais, o
adiantado da hora e as disposições regulamentares... ordenou [a autoridade]
que tudo ficasse no estado em que se
achava... [e que] o poço e suas
imediações ficasse guardado por um soldado...”
O delegado
mandou recolher Antônio e Eugênio na cadeia da cidade.
Sobre
o período em que ficaram presos, apenas foi registrado o depoimento de Adão,
que dizia que os outros dois, a todo custo pediam que ele negasse o crime, ou
assumisse sozinho, uma vez que o cadáver estava em seu quintal.
[1]
As informações deste
capítulo são advindas dos autos do processo.
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