texto de Terezinha de Jesus Nascimento Carvalho
Originalmente publicado no livro "Um Olhar Sobre Indaiatuba (I) - 2006
Era 1964. Éramos jovens, 25 e 29 anos, dois filhos, Adriana de 2 anos e André de 2 meses – eu professora e ele, laboratorista em 2 empregos, no hospital do SESI, em Jundiaí, e outro particular.
Jundiaí, cidade grande perto de São Paulo; as duas cidades eram ligadas por ônibus que partiam a cada cinco minutos, nos oferecia boas condições de vida. Mas um dia o Nilson (1) chegou e disse:
- “Vou com o Ribas (Dr. Ribas Cunha, grande cirurgião infantil) conhecer Indaiatuba, para ver se quero instalar um laboratório no HAOC (2), o hospital local”.
Eu não conhecia Indaiatuba e ainda não sabia o quanto minha vida se entrelaçaria à vida desta linda cidade. Viemos... E para sempre! Aqui crescemos profissionalmente, criamos nossos filhos e nos engajamos em projetos, criamos projetos e vivemos...
Meu primeiro olhar foi definitivo: a Rua Vinte e Quatro de Maio era arborizada, com lindos e frondosos flamboyants que formavam um oásis de frescor e beleza como nunca vi em nenhum lugar.
Lembro-me de que achei esta cidade muito civilizada e simpática por ser tão arborizada, muito diferente da cidade atualmente (em que vivemos hoje).
Lembro-me de que achei esta cidade muito civilizada e simpática por ser tão arborizada, muito diferente da cidade atualmente (em que vivemos hoje).
Diferente porque era pequena – cerca de 20 mil habitantes no município (3), sendo que onze mil dirigiam bicicletas, parando alguns minutos à sombra das árvores que enfeitam a cidade, cujo clima era bem mais quente que Jundiaí.
Diferente porque não havia telefones automáticos, ainda se falava com a telefonista local.
Não tínhamos restaurantes, o comércio fechava as 11:30h e reabria às 13:00h, depois da sesta.
Inicialmente, nós e o Dr. Jalma Jurado e sua esposa Tininha, “forasteiros” como eram conhecidas as pessoas que chegavam de outros lugares, moramos no HAOC. Nesta época, o Dr. Guilherme Deucher era o diretor clínico do hospital e estava convidando (para trabalhar com ele) o Nilson, Dr. Jalma, Dr. Alexandre, Dr. Sérgio (meu tio), Dr. Bolívar e não sei ou não me lembro quem mais, já faz tanto tempo...
Olhei e vi: Indaiatuba modificou-se.
No começo devagar, e depois, com muita pressa, aceleradamente, embelezando-se, modernizando-se, esta linda cidade.
No começo devagar, e depois, com muita pressa, aceleradamente, embelezando-se, modernizando-se, esta linda cidade.
Não escolhemos onde nascer, Nilson nasceu em Barretos e eu em Penápolis; mas escolhemos onde morrer e aqui ficamos, para sempre, nos tornando indaiatubanos de coração.
Minha vida profissional foi de “professora primária” da escola pública estadual até 1975, quando então iniciei a “Pré-Escola Picapau Amarelo”. E depois do Pré, a Escola de 1° e 2° graus (chamados de fundamental e médio – atualmente) “Monteiro Lobato”.
Foi uma vida gratificante, pela escola e pelos milhares de crianças e adolescentes que vi, por anos, circularem naquela que foi a melhor escola que se podia oferecer; não só pela qualidade do corpo docente, mas principalmente pela vanguarda dos projetos. Pioneira em oferecer vídeo em sala de aula, laboratório com ótimos equipamentos (orientação do Nilson, meu marido, que criou e dirigiu o Laboratório Sancel, até a sua morte, em dezembro de 2001). Pioneira também em oferecer Computação no currículo desde o fundamental, Inglês desde a pré-escola e Robótica, quando era uma atividade quase desconhecida. Na parte de infra-estrutura, ainda oferecíamos uma biblioteca com mais de cem metros quadrados e 4000 volumes de qualidade, utilizada inclusive por mães de alunos; e computadores ligados à Internet durante todo o dia, para uso de professores e alunos.
Se a parte material era ótima, a parte humana era muito melhor!
A sala dos professores, uma festa nos dois períodos, era alegre, proporcionando uma troca de experiências muito gratificante. Além de ótimos profissionais, convivemos com seres humanos adoráveis...
O “Monteiro” era referência para tudo: técnicas de ensino, instalações, vanguarda. A juventude que cresceu em seus espaços tem gratas lembranças da época, e nos orgulhamos de ter contribuído para a formação de ótimos profissionais que hoje atuam em diversos setores na cidade.
Durante esses quase trinta anos (1975-2003), o Monteiro Lobato agiu e interagiu com a cidade. Meu marido, concomitantemente ao Laboratório Sancel descobriu-se um historiador nato, que pesquisou em fontes primárias (originais) a História de Indaiatuba e região, a vida dos ilustres fundadores da cidade, produzindo mais ou menos 2000 páginas de textos históricos (4). Tudo começou com a entrada do Monteiro Lobato na campanha para a preservação do Casarão Pau Preto – marco do bairro onde se localiza o Colégio. O que era inicialmente apenas um movimento escolar cresceu na cabeça do Nilson, que criou um áudio-visual e um texto sobre o prédio e sua origem, intitulado “Arquitetura em Taipa” (5). Nilson foi auxiliado por Renato e Cristina Carramenha (6), apoiados pelo Jornal Tribuna de Indaiá, Sérgio Squilante e José Carlos Tonin, então prefeito. A participação de llse Scamparini da EPTV, Carlito Maia da Globo São Paulo contribuiu para o que o Casarão não fosse demolido.
Você é capaz de imaginar Indaiatuba sem o Casarão?
Você é capaz de imaginar Indaiatuba sem o Casarão?
Esta pesquisa sobre o Casarão foi o início das atividades de pesquisa feitas pelo historiador autodidata Nilson Cardoso de Carvalho, que editou, mais tarde, um livro sobre sua família, chamado “Adelino Manuel e seus descendentes (7) ”. Escreveu também “A Paróquia de Nossa Senhora da Candelária de Indaiatuba – 1832-2000 (8)”, editado pela Fundação Pró-Memória de Indaiatuba (9) em 2004, além de artigos e documentários em vídeo.
A Fundação Pró-Memória nasceu da cabeça de Nilson, do Geiss (10) e do Penna (11), que batalharam por sua criação legal e existência que, sabe-se hoje, é de primordial importância para guardar e preservar a memória da cidade. Criada sob inspiração de instituição similar de Rio Claro, hoje é modelo de referência para a criação de outras.
Enfim, acho que não só olhamos para Indaiatuba, mas fomos olhados por ela, pois aqui plantamos idéias e ideais, concretizamos nossos sonhos e inspiramos criações.
Saudades?
Sinto muito do Nilson, das Escolas Públicas, do Monteiro, dos alunos das duas épocas, dos colegas de trabalho, dos colaboradores amigos e até do burburinho das crianças e jovens com os quais convivi durante este 42 anos de Indaiatuba.
Sinto muito do Nilson, das Escolas Públicas, do Monteiro, dos alunos das duas épocas, dos colegas de trabalho, dos colaboradores amigos e até do burburinho das crianças e jovens com os quais convivi durante este 42 anos de Indaiatuba.
Concordo com Fernando Pessoa quando diz que “O valor das coisas não está no tempo que duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.
Obrigada, Indaiatuba por me deixar olhá-la!
.....oooooOooooo.....
Nota da autora:
Texto escrito em agosto de 2006.
Notas do Conselho Editor:
(1) Nilson Cardoso de Carvalho foi membro do Conselho Administrativo da Fundação Pró-Memória, nasceu em 25 de junho de 1934 e faleceu em 09/12/2001. Fez pesquisas históricas de Indaiatuba (séculos XVIII-XIX) e de Barretos (colonização dos vales do Rio Grande e Pardo - século XIX).
(2) Hospital Augusto de Oliveira Camargo.
(3) O censo de 1960 acusou 19.697 habitantes no município, sendo 13.507 na zona urbana e 6.190 na zona rural.
(4) Esse volume é composto, em grande parte, por transcrições de documentos relativos à história da cidade, pesquisados em vários arquivos do estado de São Paulo e está sob a carinhosa guarda da ONG “Amigos da Coleção Nilson Cardoso de Carvalho de História Regional”: www.ncc.inf.br
(5) CARVALHO, Nilson Cardoso de, 1984. Arquitetura em taipa, um dos últimos remanescentes em Indaiatuba. Indaiatuba, s.ed., 13 p., il. Esta obra está disponível no site www.ncc.inf.br e no site da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba: www.promemoria.indaiatuba.sp.gov.br
(6) Renato é nome artístico de José Manoel Carramenha e Costa. Sua esposa chama-se Márcia Cristina.
(7) CARVALHO, Nilson Cardoso de, 1994. Adelino Manoel e seus descendentes. Indaiatuba, s. ed., 111 p., il.
(8) CARVALHO, Nilson Cardoso de, 2004. A Paróquia de Nossa Senhora da Candelária de Indaiatuba – 1832-2000. Indaiatuba, s. ed., 302 p., il.
(9) A edição desta obra contou também com o auxílio de D. Sylvia Teixeira de Camargo Sannazzaro e com o patrocínio do Círculo Católico Nossa Senhora da Candelária.
(10) Antônio Reginaldo Geiss, nasceu em 23/11/1929 em Indaiatuba e quando criança trabalhava como caixeiro no armazém de um tio; trabalhou no Banco Mercantil de São Paulo por quase 30 anos e, com a ajuda de companheiros, fundou a IVESA e a Rádio Jornal de Indaiatuba. Fundador e Conselheiro Vitalício do Indaiatuba Clube, onde participou da Diretoria por 10 anos e onde, atualmente, é presidente do Conselho Deliberativo. É sócio-fundador da ASBAP – SP e pelo seu reconhecido gosto, conhecimento e comprometimento com a preservação da memória, da História e do patrimônio cultural de nossa cidade, é Presidente do Conselho Administrativo da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba.
(11) Antônio da Cunha Penna, que nasceu em 03 de agosto de 1945 em Santa Bárbara –MG - é um idealista. Essa característica o faz músico, escritor, fotógrafo e “agitador cultural”. Montou a Coleção Fotográfica Antônio da Cunha Penna, com fotos produzidas e reproduzidas de Indaiatuba, disponível na Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, de onde é membro do Conselho Administrativo. É Diretor de Cultura e Arte do Indaiatuba Clube. Querido, premiado e reconhecido não só pelas suas fotos e “agitos culturais” (organização de exposições, apresentações, shows), mas também por suas obras literárias, caracterizadas principalmente pela perspicácia e humor crítico que lhe é peculiar.
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