segunda-feira, 23 de novembro de 2015

LEVA PARA O DITO DE JERÓ

LEVA PARA O DITO DE JERÓ
Aparecido Messias Paula Leite de Barros (2008)

 No terreno da esquina da rua XV de novembro com a rua Padre Bento Pacheco, na praça D. Pedro II foi, por mito tempo, o palco da morada de Dito de Jeró.
Dito de Jeró foi um homem de extrema calma, fala mansa, que ali vivia com a família, onde podiam desfrutar da sombra e dos frutos de uma enorme anacardiácea.
Do grande terreno da pacata moradia, sua família podia observar os frequentadores do bar do senhor Luís pasteleiro, que mais tarde passou a pertencer ao senhor Nato, ali do outro lado da calçada. 
Vida pacata, vida serena, vida gostosa.
Mas Icú [1] em nome da Senhora da Lama [2] veio buscar sua idosa mãe, pois do barro o homem foi feito e para ele retornará. 
E aquele homem de extrema calma, descendente de escravo, com a perda de sua progenitora, surtou. 
Conta-se que já havia passado  por uma desilusão amorosa, mas após esse baque, resolveu que as ruas seriam sua morada. 
Seu trabalho, tal como representa a obra de Auguste Rodin e dos alguns dos escultores angolanos, seria apenas o pensar e o repensar, o visualizar e analisar...
 Passou a dormir junto com as estrelas, as quais observava deitado de baixo da arquibancada do Esporte Clube Primavera. 
Mas tinha mesa farta e muitos ternos oferecidos pelos comerciantes locais e população em geral. Era comum, em várias casas e comércios, ao sobrar algum alimento, alguém dizer: “leva para o Dito de Jeró”.
Caminhava pelas ruas da jovem Indaiatuba a passos lentos, sempre fazendo uso dos ternos, fosse inverno ou verão, 
Conversava com as pessoas sem muitas palavras ou indagações, na maior parte das vezes apenas respondendo o que lhe era perguntado, sempre com frases curtas. 
Chamava a todos de “senhor” independente da idade. 
Pelas vias olhava as casas construídas no alinhamento dos terrenos com suas portas e janelas de duas folhas abertas. 
Observava os pés de indaiás e de cambarás, com suas cascas grossas com galhos retorcidos, lembrando o cenário de um cerrado.
Seu destino era a porta principal do Santuário Candelária e quando chegava, fazia por inúmeras vezes o sinal da cruz benzendo-se. 
Em horário de missa entrava e participava do culto, caso contrário sentava-se no degrau da entrada e ali permanecia por horas a fio, levantando-se sem saber porque para sentar nos bancos existentes no largo da matriz.
Quase todos que por ele passavam o cumprimentavam com simpatia, e ele respondia sua antológica frase: “eu vou bem graças a Deus, Nossa Senhora e a todos os santos”. Ao ser indagado, muitas vezes de forma provocativa ou até por ingênua brincadeira - sobre seu trabalho, sobre alguma ocupação - com muita educação respondia que “talvez no futuro” ou “um dia... quem sabe” ou  então apenas sorria.
Tal como Venezuarina, que passou os dias andando em volta de uma lagoa, alisando as pedras com seus pés transformando-as em espelhos, ávida  a espera de um amor e só ganhou a velhice, aconteceu o com ele. Perdeu os cabelos, a barba branqueou e tornou-se o pesadelo daqueles que tinham as primeiras idades.
Não podendo mais perambular pelas ruas, foi acolhido pelo Lar de Velhos e Cegos Emmanuel.
Mas aos domingos continuou indo a missa e como antes sempre e inúmeras fez, continuou benzendo-se com o sinal da cruz.
Até que um dia Icú - como fez com sua mãe - veio buscá-lo através de um derrame cerebral.




Ditó Geró ou Dito Jeró ou Dito de Geró ou Dito de Jeró




[1]  Morte, na cultura africana ioruba.
[2] Também chamada de Nanã, é uma orixá de origem ioruba, considerada a mais velha divindade feminina, elemento dominador da água, da lama do fundo dos rios e dos pântanos, tendo também uma relação com a morte.

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