texto de Orlando Guilherme Kräenbühl *
Quando olho minha querida Indaiatuba, em minha mente passa um vídeo tape fazendo-me recordar dos trajetos de minha vida, nesta maravilhosa e querida Terra dos Indaiás. Sim, Terra dos Indaiás! Lembro-me de centenas de pés de indaiás (palmeira que produz coquinhos), de onde se retirava a polpa para comer... Como era delicioso... Íamos buscar no antigo campo de avião, hoje, bairro Cidade Nova, onde existiam centenas de pés, espalhados pelo campo. Como era gostoso quebrar aqueles coquinhos e saborear sua polpa. Hoje não se encontra mais nenhum pé desta fruta, que é o símbolo da cidade.
Sou descendente de alemães e suíços que foram acolhidos por essa terra há mais de 149 anos atrás. Não posso deixar de falar um pouco deste carinhoso acolhimento, dado ao meu bisavô e demais imigrantes que resolveram aqui se fixar para formar a colônia Alemã do Bairro Friburgo, que assim passou a se chamar.
Quando eu tinha apenas um ano de idade, meus pais resolveram mudar-se para Indaiatuba. Fomos morar em uma casa na Rua Cinco de Julho, 1095, onde permanecemos poucos meses. O trabalho era difícil para o meu pai, que trabalhava como cortador de lenha. E nós éramos seis pessoas: meu pai e minha mãe e os meus irmãos: Francisco (10), Olga (08) e Leonilda que com apenas 11 anos e sendo a filha mais velha, era quem cuidava de mim, para que minha mãe pudesse cuidar da casa.
Até a mudança para a cidade, meus irmãos estudaram na escola de Friburgo; aqui eles entraram para o Grupo Escolar Randolpho Moreira Fernandes situado no centro de Indaiatuba, na praça D. Pedro II. Quando eu estava com aproximadamente seis anos, lembro-me que já mudado em vários endereços, minhas irmãs Leonilda e Olga foram trabalhar em Campinas como empregadas domésticas. Naquele tempo era muito difícil para elas virem nos visitar, as visitas aconteciam mais ou menos a cada um ou dois meses. A estrada velha era de terra e muito perigosa e o único transporte era o ônibus da empresa “Viação de Transportes Bonavita” com poucos horários. Quando chovia, os ônibus atolavam na estrada, agravando ainda mais a situação. Hoje os ônibus são modernos, bonitos, confortáveis e a estrada é asfaltada e espaçosa. Mas naquele tempo a viagem a Campinas durava mais ou menos 2 horas, hoje vamos em menos de 30 minutos; temos até circular até Campinas!
Lembro-me de uma das casas em que moramos. Era uma casa na Rua Onze de Junho, vizinho onde é hoje o Supermercado Pistoni. Ali fiz novas amizades; próximo a minha casa tinha um moinho de beneficiar arroz e fazer fubá da família Amstalden, gostávamos de brincar no monte de palha de arroz, que era tão alto que podíamos subir no telhado e pular sobre ele. Divertíamos muito com isso e a vida ia passando. Quando não íamos nesse lugar estávamos jogando pião, soltando pipa, jogando bolinha de gude ou às vezes jogando bola de pano feita de meias. As brincadeiras eram muito simples e muito gostosas; meninos e meninas brincavam juntos sem maldade... Sinto muita saudade daqueles tempos.
Naquela época não existiam os clubes ainda, somente o Cine Rex que funcionava, mas como eu ainda era pequeno para sair à noite e sem dinheiro meu pai não deixava ir, tinha que entrar cedo em casa, pois todos tinham que dormir muito cedo.
Por volta do ano 1948, mudamos para uma casa próxima dali, na Rua Hércules Mazzoni. Eu ainda não estava freqüentando a escola, meu pai era servente de pedreiro dos irmãos suíços: Felício e o Sr. Jacó Dambit. Há uma passagem muito engraçada que guardei dessa época: meu pai nos contou que o Sr. Felício gostava de mascar fumo e, um dia, quando meu pai estava catando os tijolos em baixo do andaime em que ele se encontrava, eis que solta uma tremenda cuspida, certeira na mão do meu pai, que se espatifou com aqueles musgos de fumo preto por todos os lados. Meu pai olhou para cima, lá estava o Sr. Felício rindo a valer da cara do meu pai. Moramos nessa casa pouco tempo, estávamos no ano de 1948 para 1949 quando mudamos para a casa do Sr. Silvio Ferreira do Amaral, na Rua Padre Bento Pacheco, 63. Era uma casa velha, não tinha instalação de luz elétrica, não tinha água encanada e nem esgoto ligado na rua; precisamos fazer tudo por nossa conta, mesmo não tendo dinheiro para pagar. Mas o Sr. Silvio foi descontando aos poucos do aluguel.
Nessa altura eu já contava com oito para nove anos, meu pai continuava como servente de pedreiro do Sr. Felício, a família se reuniu novamente, minhas irmãs voltaram de Campinas e meu irmão estava morando com meus avós na Rua Cerqueira Cézar, próximo de nossa casa.
A vida para mim começava a se tornar mais séria, pois eu ainda não tinha nove anos e já começara o meu primeiro emprego com Sr. José Balabem que morava na Rua Candelária, próxima a Rua 24 de Maio. Ele era um vendedor de frutas. Passei a trabalhar para ele vendendo bananas, carregando uma cesta no braço, ia de casa em casa oferecendo as bananas a quem quisesse comprá-las. O segundo emprego foi em uma lavanderia e tinturaria de nome “Lavanderia Brasil”, na Rua XV de Novembro no centro da cidade, era o proprietário o Sr. Fabio Scachetti (o popular Italiano). Trabalhei somente uma semana com ele, pois ele vendeu para Sr. Luiz Felix Denny que era, até então, seu funcionário. Eu gostei, porque o Sr. Luiz era meu vizinho de frente da minha casa. Neste trabalho fiquei mais tempo; na segunda-feira eu tinha que buscar os ternos nas casas dos fregueses, que naquele tempo usavam-se muito ternos de casimira e os de linho, que seriam lavados e passados e só no final da semana entregá-los impecáveis aos seus donos. O Sr. Luiz ia para o bairro de Itaicí buscar os ternos, pois como era longe para mim, ele ia de bicicleta e só no sábado eu ia com ele para entregá-los. Tínhamos que ir de trem ate Itaici e tínhamos que tomar muito cuidado com as roupas, para que não caísse faísca da locomotiva, que era movida a lenha. Era e a tal de Maria Fumaça.
Como já disse, minha vida a partir dos nove anos começou a ser mais séria, comecei a sentir o peso da responsabilidade, minha mãe colocou-me na escola, não quis colocar-me com menos idade, que é hoje com sete anos. Dizia que eu sairia da escola muito cedo, com 11 anos. E ai eu não poderia trabalhar em fábricas ou em outro trabalho que fosse registrado, por estar com menos de 14 anos idade que o menor poderia trabalhar em qualquer estabelecimento, não era como hoje que o menor só pode trabalhar após os 16 anos o que eu acho muito errado, pois a criança deve sim, trabalhar. Não em trabalhos pesados e sim em trabalhos que sejam compatíveis a sua idade e físico, pois é de pequeno que se torce o pepino, é de pequeno que a criança deve apreender o que é a vida e dar valor a tudo e a formação de sua personalidade. Em Provérbios 22.6, está escrito: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele.”
Foi em janeiro de 1949 meu primeiro dia de aula. Minha professora, dona Áurea Moreira da Costa era casada com Sr. Jango, proprietário da Farmácia Candelária. Ela era muito brava, mas muito competente, ótima professora, hoje tudo que sei devo aos seus ensinos. Tive muitas professoras, mas a primeira nunca se esquece. Entrava na escola as 7:00 horas e saia as 11:00 horas e as 12:00 horas eu entrava no trabalho. Recebi o diploma do quarto ano primário em dezembro de 1945, ano do quarto centenário da cidade de São Paulo.
Durante o meu período escolar, trabalhei em vários estabelecimentos que foram: Lavanderia Brasil, uma doceria, que funcionava nos fundos do Clube 15 de Novembro, na Rua XV de Novembro onde hoje é a Cristal Jóias em frente ao Banco Real, onde fiquei pouco tempo. Depois, fui trabalhar na loja de armarinhos do Sr.Jorge, (que era um Libanês), local que hora é a loja Candel, onde hoje esta instalada a grande loja das Casas Bahia na Rua Candelária, também fiquei por pouco tempo. Voltei para Lavanderia Brasil, fui chamado para aprender a lavar os ternos, mas não deu muito certo. Fui trabalhar na fabrica de móveis do Sr. Davi Silvério na Rua Candelária esquina com Onze de Junho, hoje neste local é o prédio da Telefônica em frente ao Condomínio Edifício Comercial Córdoba.
Lembro-me de uma tarde quando cheguei ao serviço o Sr. Davi ordenou-me que eu trabalhasse na máquina desengrossadeira, é uma espécie de plaina que funciona verticalmente, como eu já estava me habituando em trabalhar com máquinas, ele ensinou-me como operar esta, ele regulou a máquina e comecei a aparelhar pé de cadeira de marfim, uma madeira muito dura, a operação transcorra normalmente de repente a madeira soltou-se da maquina e veio bater violentamente na minha boca, soltando os dentes da frente. Fiquei desmaiado e as pessoas que trabalhavam perto de mim vieram ao meu socorro, Sr.Juvenal Zerbini, nosso colega de trabalho, nos levou até o consultório do Sr. Roque Torce que eram enfermeiro bem conhecido na época que resolvia os casos de primeiros socorros da época por suas habilidades nos cuidados com pessoas. Fiquei afastado do trabalho por 15 dias ate ficar bom. Minha mãe e minha irmã estavam trabalhando no Cotonifício Trevisoli, que hoje funciona o nosso “SHOPPING JARAGUA”.
Na casa da Rua Padre Bento Pacheco, foram os tempos mais alegres de minha vida, aconteceram tantas coisas que ficaram gravadas em minha memória. Nosso quintal era imenso com aproximadamente 2000 m², ali, eu e minha mãe plantávamos verduras, milho e mandioca e vendíamos para a vizinhança, lembro-me que íamos buscar esterco na Fazenda Bicudo, do outro lado que hoje é o Parque Ecológico, hoje esta totalmente loteado e com casas muito bonitas, ate a nova prefeitura foi construída, e funcionando há quatro anos.
Algumas vizinhas que ainda me lembro-me o nome delas, tais como a Dona Brígida, Dona Josefina Marinaz (a dona Pina) assim conhecida, outras crianças e eu, assim íamos todos juntos para trazer o esterco cada um para suas hortas. Como não tínhamos muitas opções de divertimento como hoje, quando tínhamos dinheiro íamos ao Cine Rex para os filmes de bang-bang. Os filmes do Mazzaropi eram exibidos em duas seções, no sábado e no domingo. Além dele, que atraia o pessoal que fazia grande fila na porta do cinema, eram os filmes de Cantiflas. “Após o fim do filme, no próprio cinema, ficávamos para assistir grandes seriados como “A Máscara do Zorro”, “Perigo de Moca”,” A “Deusa de Joba”, que fez muito sucesso e outros que no momento estão apagados da minha memória. Ou então íamos ao Clube do Primavera que era na Rua XV de Novembro em frente a praça principal, Prudente de Moraes, para assistir televisão que era a novidade na época, foi exatamente em 1954 que tivemos a primeira TV em Indaiatuba, primeiro na loja Líder do Sr. Paulo Ifanger, ficava em exposição para que todos pudessem ver a novidade. Depois ficou no Clube do Primavera, lembro-me que aos sábados o Clube enchia de pessoas para assistir o programa de mais audiência, era o “Cirquinho Bombril” e quem apresentava eram os palhaços Fuzarca e Torresmo; existiam poucos programas. E aos sábados e domingos existiam também os divertimentos na Praça Prudente de Moraes para as paqueras, onde os homens andavam de um lado e as mulheres o sentido contrario, sempre ao som das musicas da época que faziam muito sucesso, e a cada momento ouvia-se assim: “fulano de tal oferece esta música a ciclana de tal com prova de muito amor”.
E assim resultavam muitos casamentos que alguns até hoje resistem a este grande amor, estes momentos de nossas vidas trazem muita saudades a aqueles que participaram naquela época.
Quando se ouvia o som do encerramento do serviço de alto falantes alguns jovens deixavam a praça com a garota que aceitara que acompanhasse a te o portão da sua casa pensando no próximo final de semana.
Da oficina do Sr. Davi retornei na Lavanderia do Sr.Luiz Denny para tomar conta da Lavanderia, mas durou pouco tempo com a entrada dos famosos ternos de tergal e que eram lavados em casa e não amassavam, já não tínhamos mais tanto trabalho, daí fui para a fabrica do Sr. Guerino Lui onde permaneci por dois anos de 1956 ate 1958, Nessa época eu já estava com 15 anos de idade, fui trabalhar na Cerâmica Indaiatuba onde permaneci 20 anos, de 12 de junho de 1958 até março de 1978. Já formado como técnico Químico, em março de 1978 fui para a Mercedes Benz do Brasil onde trabalhei 14 anos. Hoje já aposentado, fico a olhar por onde minha querida terra dos Indaiás, sinto saudades daqueles tempos em que andávamos pelas ruas sem se preocupar em ser atropelado por moto ou um carro que passam velozmente sem se preocupar com alguém que esteja atravessando a rua.
Vejo ainda o quanto a cidade cresceu, quantos bairros novos e quantos estão sendo projetados ainda, as indústrias novas as novas família que aqui vem residir em nossa cidade para criar seus filhos e outras gerações, e assim o tempo vai passando e criando-se muitas outras histórias.
* Originalmente publicado em "Um Olhar sobre Indaiatuba (1)"
Depois de ler o BLOG fui fazer uma pesquisa e descobri que várias pessoas da minha familia trabalharam na Mercedes-Benz.
ResponderExcluirLegal! Veja se possuem fotos "antigas". Quem sabe autorizam a compartilhar aqui no blog. Temos poucas fotos relacionadas ao tema "indústria". Obrigada pelos comentários e por sempre visitar o blog. Abraços. Eliana Belo
ResponderExcluirBelissima história.
ResponderExcluirE há quem diga que saudosismo é coisa de gente velha...Eu fico pensando o que essa garotada de hoje terá para contar,eu estou emocionadíssima.
thaisreder2006@gmail.com
postei assim pois não sei fazer de outra maneira por isso entrei como anônima é mais fácil.